50.000 equipes de Saúde da Família no Brasil

Situação atual, evidências e desafios para a ESF/APS.

Atingimos a marca histórica de 50.804 equipes de Saúde da Família (eSF) com cofinanciamento federal em dezembro de 2023, elas estão distribuídas em 99,17% dos municípios brasileiros, em aproximadamente 36.590 Unidades Básicas de Saúde (UBS). Nestas equipes estão vinculados 278.209 Agentes Comunitários de Saúde (ACS), alcançando em torno de 145 milhões de brasileiros, perfazendo uma cobertura média de 68% da população brasileira com cuidados permanentes de uma eSF. As transferências federais em 2023 para as eSF e equipes de Atenção Primária (eAP) foram de aproximadamente 13 bilhões e para os ACS mais 9 bilhões. A responsabilidade do financiamento das equipes é compartilhada pelos três entes de governo, com os municípios assumindo a maior parte do gasto. Levando em conta esses dados, fica evidente que a Estratégia Saúde da Família representa uma das mais significativas políticas de saúde e social do Brasil.

É importante destacar as demais modalidades de equipes que trabalham na Atenção Primária à Saúde (APS), entre elas: as 31.024 equipes de Saúde Bucal, as 5.647 equipes de Atenção Primária, as 222 equipes de Consultório na Rua, às 261 equipes de Saúde da Família para a população Ribeirinha, as equipes de Saúde da Família das Águas ou Flutuantes que atuam nas 57 Unidades Básicas de Saúde Fluviais e as 569 equipes de Atenção Primária da Saúde Prisional. 

O conjunto totaliza 88.015 equipes com seus vários formatos e composições. É importante lembrar que esses números dizem respeito a  equipes que tem cofinanciamento federal, que estão trabalhando em conformidade com as regras dos programas federais, isso significa que  o governo federal participa do financiamento em parceria com os municípios, principalmente, pois eles entram com maior parte dos recursos, considerando o valor global investido em APS no Brasil,e, em menor escala, os governos estaduais também alocam financiamento para a Atenção Primária. 

Entre as demais modalidades de equipes da APS, destaca-se em 2023, a retomada do cofinanciamento federal para as equipes Multiprofissionais, as eMulti, que resgatam os antigos Nasf para oferecer até 22 profissões da saúde diferentes com a finalidade de ampliar o acesso e melhorar a qualidade dos cuidados na APS.

Retomar o cofinanciamento federal para as equipes multiprofissionais e aumentar o financiamento das equipes de saúde bucal contribuem também para o fortalecimento da Estratégia Saúde da Família (ESF), já que essas duas modalidades de equipes compartilham o cuidado da população vinculada à eSF, tem papel fundamental para ampliar o escopo de ofertas de cuidado e dar resposta a diferentes necessidades de saúde presentes no território e mais frequentes na APS. Financiar adequadamente essas modalidades, com o objetivo de  atingir  paridade entre eSF e eSB e que toda eSF seja vinculada à eMulti, é necessário para alcançarmos uma APS mais robusta e abrangente, que possa efetivamente cuidar melhor das pessoas. 

Há outros programas federais com incentivos financeiros que incidem direta e indiretamente no financiamento das equipes de Saúde da Família, citamos dois muito importantes: o programa de provimento de médicos/as que em 2023 atingiu o maior patamar da sua história, chegou a 21 mil profissionais e tem expectativa de crescimento em 2024. O programa Mais Médicos tem sido fundamental para o Brasil, principalmente por sua capacidade de atender às necessidades de saúde em regiões onde há escassez de profissionais, o que contribui significativamente para a redução das desigualdades no acesso à saúde e na melhoria dos indicadores de saúde. E o programa de Requalificação de UBS que financiará agora através do Novo PAC a construção de aproximadamente 3 mil novas UBS com valor estimada de 4.2 bilhões, além do financiamento vigente para reformas e ampliações de UBS e equipamentos para as UBS. 

Em 2024 vamos celebrar os 30 anos da criação do Programa Saúde da Família (PSF), depois ESF. A ESF expandiu-se e transformou-se no principal formato brasileiro de equipes de APS. Em que pese todos os avanços, enfrenta dificuldades políticas, orçamentárias e técnicas, que impedem que o modelo atinja a cobertura condizente com as necessidades do país, que todos brasileiros tenham uma equipe de Saúde da Família de referência. Concomitante a expansão, é necessário aprimorarmos a gestão e o trabalho das atuais equipes, visando criar condições reais de oferecer cuidados com qualidade à população que hoje já é assistida por uma eSF.  O êxito do SUS está ancorado na abrangência da ESF e na capacidade de dar respostas adequadas às demandas concretas trazidas pelos usuários diariamente nas UBS. 

A superioridade do modelo da ESF, em relação ao modelo tradicional de atenção, tornou-se consenso nacional e internacional. Segue uma síntese dessas evidências, a partir do artigo da Claunara e Macinko e outros, sobre os resultados encontrados, destacamos: 1) melhor acesso e utilização de serviços de saúde pela população brasileira e por quem mais precisa – pessoas com menor renda, áreas rurais, idosos e portadores de doenças; 2) melhores resultados de saúde, incluindo reduções importantes na mortalidade infantil e mortalidade adulta para algumas condições de saúde sensíveis à atenção primária; melhores indicadores de saúde, especialmente os infantis; 3) expansão de acesso a tratamentos, como, por exemplo, os odontológicos; 4), ampliação no controle de algumas doenças infecciosas; 5) melhoria na equidade do acesso aos serviços de saúde e diminuição de desigualdades na saúde dos indivíduos, pois as eSF chegam nos lugares mais remotos e onde moram as pessoas em piores situação econômica e social; 6) eficiência no SUS, devido à redução de hospitalizações desnecessárias, melhoria na qualidade das estatísticas vitais e sinergias com programas sociais como o Programa Bolsa Família; 7) expansão extensiva de infraestrutura e conhecimento incluindo uma explosão na pesquisa aplicada sobre serviços e sistemas de saúde no Brasil; 8) redução dos anos potenciais de vida perdidos; 9) melhor desempenho na prevenção das doenças e promoção da saúde; 10) redução das iniquidades em saúde que é um tema absolutamente central no contexto brasileiro. 

Alguns aspectos fundamentais do cuidado em saúde são bastantes característicos das  eSF: a) a oferta de educação em saúde, com estímulo ao autocuidado e à promoção da saúde, o que aumenta a participação e a autonomia dos indivíduos na gestão de sua saúde; b) tratamento e controle a uma série de doenças e problemas de saúde frequentes e continuidade do cuidado a condições crônicas e c) para dar resposta em tempo oportuno  a situações mais complexas  sob sua responsabilidade as eSF  exercem papel central para integrar diferentes serviços e pontos de atenção à saúde, buscando agilidade  no encaminhamento e  acesso a especialistas quando necessário, o que ocasiona reflexos positivos para  fortalecimento do SUS como um todo. 

Há desafios, apesar dos resultados alcançados. Estudos apontam que a expansão de cobertura de APS no Brasil enfrenta barreiras associadas a fatores como restrições orçamentárias, escassez de profissionais especialistas em atenção primária, problemas de infraestrutura, e maior cobertura populacional por planos privados de saúde. Destacamos alguns dos principais desafios para  ampliação e a qualidade da estratégia Saúde da Família no Brasil: 

1- Financiamento: aumentar os recursos para as equipes de Saúde da Família para custeio e investimento, e também alocar os recursos em linhas orçamentárias que incentivem uma melhor organização do trabalho das equipes para uma melhor resposta às necessidades da população. 

2. Atenção integral e continuidade do cuidado: envolve planejar, avaliar e adaptar o processo de trabalho com a frequência que for necessária, almejando a ampliação do acesso, da qualidade e da resolutividade do cuidado, abrangendo as diferentes responsabilidades da APS,  da promoção da saúde aos cuidados paliativos. Agora, com o lançamento da Política Nacional da Atenção Especializada (PNAE) e as eMulti, temos uma oportunidade excelente para realizarmos estratégias objetivas de corresponsabilização do cuidado, compartilhamento das decisões clínicas, gestão de tecnologias e para estabelecer uma regulação do acesso e coordenação do cuidado transparente e efetiva. Avaliamos que é pertinente construir um programa com financiamento comum entre as secretarias que estimule regionalmente a integração entre a APS e AE. 

3. Infraestrutura, equipamentos e informatização: muitas UBS carecem de infraestrutura adequada e equipamentos necessários para fornecer cuidados de qualidade, além das necessidades prementes de informatização com acesso a internet de qualidade em todas as UBS.

4. Gestão e gerência da APS: as equipes e os gestores municipais estão cada vez mais sobrecarregados de demandas para organização do processo de trabalho das eSF, por isso é cada vez mais necessário pensarmos em ofertas de formação para gestores de APS e coordenadores de UBS, ferramentas para aprimorar o trabalho, melhorar o planejamento, informatizar os sistemas de gestão, elaborar programas de incentivo financeiro para a gerência de UBS.

5. Formação e provimento de profissionais: com o programa Mais Médicos estamos equacionando em parte esse problema, entretanto a escassez e a rotatividade de profissionais de saúde nas várias modalidades de equipes que atuam na APS, permanece um grande desafio. 

6. Avaliação,  monitoramento, fomento à pesquisa: é essencial retomar avaliações robustas, contínuas e de qualidade das condições de trabalho das equipes, visando fornecer dados estratégicos para apoiar a organização do dia a dia das equipes e para auxiliar os gestores/as na tomada de decisões. Nesse conjunto, inclui-se a avaliação da incorporação de novas tecnologias e práticas inovadoras para melhorar a eficiência e a eficácia dos serviços de saúde.

7. Participação social: envolver as comunidades, os trabalhadores/as e usuários nas discussões sobre os problemas e soluções dos serviços de saúde é essencial para garantir que as necessidades locais sejam atendidas.

Esses desafios só serão superados se conseguirmos estabelecer uma agenda comum de colaboração entre os três entes, os profissionais da gestão e das equipes da APS, com participação social e interação constante com as diversas instituições de pesquisa nacionais e internacionais e com a comunidade acadêmica brasileira.  

Você encontra todas as informações utilizadas neste artigo nesse endereço: 

https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relatoriosPublicos.xhtml

Autores/as:

Dirceu D. Klitzke foi responsável pela concepção e redação do artigo. Olivia Lucena de Medeiros participou da revisão de conteúdo e interpretação. Os dados apresentados estão disponíveis no portal da SAPS. 

Referências bibliográficas 

  1. ABRASCO. Rede de pesquisa em APS – Contribuição para uma agenda política estratégica para a Atenção Primária à Saúde no SUS. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/KgSv54q6Sj6874xBjR7BL9P/?lang=pt.
  2. MENDONÇA, Claunara; MACINKO, James. Estratégia Saúde da Família, um forte modelo de Atenção Primária à Saúde que traz resultados. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/Kr7jdgRFHmdqnMcP3GG8JTB/abstract/?lang=pt.
  3. CECILIO, Luiz; CHIORO, Arthur. Apontamentos sobre os desafios (ainda) atuais da atenção básica à saúde. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/mW3MtBCvQT5cHWCkDqZhrJN/?lang=pt.
  4. TASCA, Renato et al. Recomendações para o fortalecimento da atenção primária à saúde no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2020. DOI: 10.26633/RPSP.2020.4.
  5. SANTOS, Lenir. Atenção Primária e a privatização dos serviços de saúde. Revista de Direito Sanitário. 2022. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/181323.
  6. WAGNER, Gastão; PEREIRA, Nilton. A Atenção Primária e o Programa Mais Médicos do Sistema Único de Saúde: conquistas e limites. 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/j9Yb8VPDhGY4WfrwGZCvzxn/.

Por

Dirceu Klitzke
Sanitarista

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