Com foco em atenção primária, a Costa Rica conseguiu aumentar em mais de 20 anos a expectativa de vida de sua população
A Costa Rica, país da América Central com cerca de 5 milhões de habitantes e área semelhante ao estado do Rio Grande do Norte, destaca-se em um indicador: a expectativa de vida ao nascer.
Em 1950, a expectativa de vida era em torno de 54 anos, 14 anos a menos do que a dos Estados Unidos. Nas duas décadas seguintes, a Costa Rica expandiu o saneamento, a provisão de energia elétrica, implementou campanhas de vacinação e alocou oficiais de saúde dedicados a ações de prevenção em comunidades, com olhar atento às necessidades locais.
Na década de 70, após identificar que mortes maternas e na infância eram as principais causas da baixa expectativa de vida, ações direcionadas a esse grupo populacional foram implementadas.
Nos anos 90, a atenção básica se expandiu por meio de equipes básicas de atenção integral em saúde, compostas de médico, enfermeira e agentes comunitários de saúde, sendo cada equipe responsável por 4.000 a 5.000 pessoas. Domicílios são visitados pelo menos uma vez ao ano, com frequência maior para aqueles onde moram idosos, pessoas com deficiência, portadores de doenças crônicas ou com condições de saúde de alto risco.
A Costa Rica também investiu em tecnologia, criando um sistema digital integrado para armazenamento de registros médicos. Isso facilita o trabalho das equipes, que podem monitorar a realização de exames e registros de vacinação, dentre outros.
Tudo isso levou a uma drástica redução da mortalidade, tanto por doenças infecciosas como não transmissíveis. Como resultado, em 2000, a expectativa de vida da Costa Rica era de 77,6 anos, maior que a dos Estados Unidos, 76,8.
O exemplo da Costa Rica mostra o poder transformador da atenção primária. Deixa claro que um programa com foco em prevenção, de caráter comunitário e que atenda demandas de cada comunidade é um investimento de longo prazo. Entretanto, os dividendos desse investimento são muitos. Destaco três: melhoria da saúde da população, com redução de morbidade e mortalidade; redução do gasto futuro com tratamento de doenças crônicas; contribuição positiva para o capital humano e o desenvolvimento do país.
No Brasil, a implementação e expansão da atenção primária por meio da Estratégia Saúde da Família foi fundamental para redução da mortalidade infantil e da desigualdade em mortes evitáveis, e para a melhoria do pré-natal e manejo de doenças crônicas em idosos, dentre outros.
Entretanto, a promulgação da Emenda Constitucional 95 em 2016, limitando por 20 anos os gastos públicos, além dos sucessivos cortes de orçamento para saúde e para programas relacionados à atenção básica (como o Farmácia Popular) feitos pelo atual governo impuseram restrições enormes ao sistema de saúde.
Com o envelhecimento da população brasileira, as altas taxas de obesidade, a baixa cobertura vacinal, o retorno dos desafios da pobreza extrema e da fome, e as consequências de saúde de longo prazo da Covid-19, a demanda futura por atendimento especializado e hospitalar será altíssima e com um custo elevado. Só há uma forma de evitar esse cenário futuro: investir em atenção primária. Quanto maior for a demora desse investimento, maior será o prejuízo econômico e social.
O rápido retrocesso que o Brasil viveu nos últimos anos, agravado pela pandemia de Covid-19, será seguido por um lento e difícil caminho de retomada. Por mais difícil que seja, que trilhemos esse caminho sustentados por quatro pilares (todos fundamentais para a atenção básica): redução das desigualdades, respeito a vida, inclusão social e compromisso com a Constituição federal.
Marcia Castro – Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.
Por Marcia Castro, matéria publicada na Folha de São Paulo em 02 de outubro de 2022.