Quanto o Brasil investe em Atenção Primária à Saúde?

É possível ter um SUS forte com o investimento atual em Atenção Primária?

Qual o gasto total em APS no Brasil?

Quanto cada ente investe em APS? 

A APS é tida como prioridade em todos governos, pelo menos no discurso, ela sempre é alçada à agenda prioritária. Mas será que na prática é mesmo prioridade? Uma das formas de analisar é conhecer o quanto se investe em APS no Brasil. 

Os gastos em atenção primária (APS) no Brasil em 2017 foram de 57,7 bilhões de reais, que corresponde a 21,7% em relação ao gasto público total, para o ano de 2017. Esse achado é muito similar a outros estudos (Ipea, 2022; The Lancet, 2022; Servo, 2013).

Os dados apresentados são do ano de 2017. Ainda que não seja apresentada uma série histórica, percebe-se que a tendência de gastos no SUS é estável, com raras alterações. Assim, os dados do ano de 2017 pode proporcionar uma boa análise da realidade. 

Segundo Piola (2018) o gasto público total em ações e serviços públicos de saúde em 2017 foi de 265,6 bilhões de reais (4,05% do PIB em 2017) assim distribuídos: União com 114,7 bilhões (43,2%), os Estados e DF 68,3 bilhões (25,7%) e os Municípios 82,5 bilhões, o que corresponde a um gasto percentual de 43,5% para a União e 25,7% e 31,1% para Estados e DF e os Municípios. 

Tabela 1 – Distribuição do gasto em APS em comparação ao gasto total em ASPS, Brasil, 2017

Ação OrçamentáriaValor total Percentual 
Gasto em ASPS        265.500.000.000,00 100,00
Gasto em APS             57.711.185.285,68 21,74

Fonte: Elaboração própria. 

A primeira constatação é que o nosso padrão de gasto público revela concentração de recursos na atenção curativa, ou seja, na atenção hospitalar, especializada e atenção de pronto atendimento de forma hegemônica. Mesmo com quase 30 anos de expansão, diga-se não consolidada, da estratégia de saúde da família, o país não vincula recursos suficientes para tornar as UBS um serviço de fácil acesso, com qualidade e resolutividade. 

Quando avaliamos o gasto por ente da federação, utilizando o SIOPS (limitações sobre o uso do SIOPS, ver nota técnica IPEA 2013), constatamos que os municípios arcam com a maior parcela desse gasto, chegando a 61,18%, a União com 34,84% e os Estados e DF com 3,98%.

Tabela 2. Distribuição do gasto público total em APS por ente da federação, em 2017*.

Entes da federaçãoGasto em APS % do gasto Brasil em APS
Municípios35.307.700.880,7061,18
União20.106.388.391,8834,84
Estados2.297.096.013,103,98
Total57.711.185.285,68100,00

Fonte: *SIOPS/MS e Relatório de Gestão MS/2018.

*Para apuração dos gastos municipais, estaduais e do Distrito Federal em APS foi utilizada a base de dados do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde do Ministério da Saúde (SIOPS/MS) para o período de 2017, com extração de dados em junho de 2020. Foram considerados os dados de 5.483 municípios, pois apenas 87 municípios não registraram sua dotação orçamentária no sistema. Alguns gastos que acontecem na APS não foram contabilizados, por exemplo, ações de vigilância e, se fossem, mudariam muito pouco os resultados.  

Outro modo de interpretar os dados é considerar a aplicação dos recursos de cada ente da federação em relação ao esforço orçamentário com recursos próprios em APS, nesse aspecto a União investiu 17,53% dos seus recursos em APS, os Estados e DF gastaram 3,98%, e os municípios gastaram 42,80% dos recursos próprios em APS.

Tabela 3. Distribuição do gasto público em APS (recursos próprios) considerando o gasto total em ASPS por ente da federação, em 2017.

Entes da FederaçãoGasto em APS% do gasto próprio em APS
União20.106.388.391,8817,53
Estados2.297.096.013,103,36
Municípios35.307.700.880,7042,80
57.711.185.285,68

Fonte: IPEA 2018, SIOPS/MS 2017 e Relatório de Gestão do MS 2018.

Os resultados sobre o gasto em APS no Brasil é inferior ao encontrado em outros países de desenvolvimento econômico semelhante. Essa análise do gasto em 2017 apontou indícios do subfinanciamento da APS no Brasil comparado ao cenário internacional aferido pela WHO (2019) demais nações apresentadas neste relatório o Brasil se encontra em padrões inferiores do gasto mundial.

Segundo Nelson Pereira (Borges, 2022) “Há um absurdo desinvestimento público principalmente em atenção básica – que não recebe investimento quase nenhum para ela vir a crescer em capacidade instalada, recursos humanos, equipamentos e material de consumo – impedindo-a de se aproximar para o fácil acesso da população. Há também um desinvestimento na própria média e alta complexidade. Mas o desinvestimento da Atenção Básica é muito mais pronunciado, isso medido em cifras de valores, é quase duas a três vezes mais perverso do que o desinvestimento na média complexidade”. 

Essa discussão de melhorar a APS com melhor gestão, precisa ser superada

A busca pela universalização do acesso com qualidade, esbarrou em questões estruturais, especialmente o financiamento, que precisa ser condizente com a importância e centralidade que uma APS robusta e abrangente tem, a fim de viabilizar os seus atributos e diretrizes, bem como beneficiar todo o sistema de saúde, tornando-o mais racional e efetivo, tanto no campo do cuidado, como na prevenção de agravos e promoção da saúde (Áquilas Mendes, 2014).

A prioridade das políticas deve ser traduzida em um orçamento adequado frente às necessidades sociais. Uma APS robusta, bem organizada, com equipes bem preparadas, que proporcione acesso, qualidade no atendimento e que impacte na vida das pessoas e comunidades é fundamental. A ampla cobertura pode resolver grande parcela dos problemas de saúde, promover saúde e cidadania, além do fato de ser o pilar estruturante do sistema, obviamente que sem recursos financeiros não será possível. 

Frente a esse quadro, quais seriam as medidas para enfrentar esse desafio:

O que fazer? 

1 – Há necessidade de um movimento nacional a favor do modelo – focado na APS – para politicamente angariar legitimidade na sociedade e progressivamente conseguir mais recursos orçamentários. 

2 – Aumentar o gasto público total em saúde, gradualmente e proporcionalmente gastar mais recursos em APS com o objetivo de ampliar a cobertura e melhorar a qualidade. 

3 – Aumentar o gasto federal e estadual em APS e aprimorar o gasto municipal. 

4 – Produzir uma pactuação entre gestores do SUS e a sociedade civil – através dos conselhos de saúde, entidades, sindicatos, universidades, partidos políticos – para superar o modelo atual de alocação de recursos na APS.

5 – Investir em pesquisa e inovação, produzir mais evidências sobre o orçamento e modelos de financiamento da APS, para melhorar a implementação das ações e projeções orçamentárias de médio e longo prazo.

6 – Aumentar a capacidade do Estado para ofertar uma APS de qualidade em todos os municípios do país, realizando reforma tributária progressiva, rever as isenções tributárias na saúde e investir fortemente no complexo industrial econômico da saúde, para vincular a melhoria do SUS ao desenvolvimento industrial e de inovação para o país. 

Essas mudanças são fundamentais para angariar legitimidade junto à sociedade brasileira sobre o papel estratégico que a Atenção Primária pode cumprir nos cuidados em saúde no âmbito individual e coletivo e no fortalecimento do SUS. 

Atuando próxima das pessoas, comprometida com a defesa da vida, com a inclusão social, a ampliação da cidadania e sendo promotora de saúde. 

Referências bibliográficas:  

SERVO, L. M. S.; PAIVA, A. B. Gasto com atenção básica das três esferas de governo: possibilidades e limitações das análises a partir de bases de dados orçamentário-financeiras. Brasília: Ipea, 2013.

PIOLA, Sérgio Francisco; SÁ, Rodrigo Pucci; VIEIRA, Fabiola Sulpino. Consolidação do gasto com ações e serviços públicos de saúde: trajetória e percalços no período de 2003 a 2017. Brasília: IPEA – Texto para Discussão 2439, dez. 2018.

BORGES, Fabiano Tonaco organizador. O longo amanhecer do SUS – reflexões para o SUS reexistir. Editora Hucitec, 2022

GIOVANELLA, Ligia et al. Saúde da família: limites e possibilidades para uma abordagem integral de atenção primária à saúde no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2009, v. 14, n. 3 [Acessado 17 Junho 2021] , pp. 783-794.

https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000300014>. Epub 15 Jun 2009. ISSN 1678-4561

MASSUDA, Adriano. Mudanças no financiamento da Atenção Primária à Saúde no Sistema de Saúde Brasileiro: avanço ou retrocesso? Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2020, v. 25, n. 4 [Acessado 17 Junho 2021], pp. 1181-1188. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-81232020254.01022020>. Epub 17 Abr 2020. ISSN 1678-4561.

MELO, Eduardo Alves et al. Reflexões sobre as mudanças no modelo de financiamento federal da Atenção Básica à Saúde no Brasil. Saúde em Debate [online]. v. 43, n. spe5 [Acessado 17 Julho 2021], pp. 137-144. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0103-11042019S512>. ISSN 2358-2898. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S512.

MENDES, Áquilas; CARNUT, Leonardo; GUERRA, Lucia Dias da Silva. Reflexões acerca do financiamento federal da Atenção Básica no Sistema Único de Saúde. Saúde em Debate, [S.L.], v. 42, n. 1, p. 224-243, set. 2018.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global spending on health: a world in transition. Geneva: World Health Organization, 2019.

IPEA – Brasil. Ministério da Saúde Contas de saúde na perspectiva da contabilidade internacional : conta SHA para o Brasil, 2015 a 2019 / Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. – Brasília: IPEA, 2022.

Leituras complementares:  

FUNCIA, Francisco Rózsa. Subfinanciamento e orçamento federal do SUS: referências preliminares para a alocação adicional de recursos. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2019, v. 24, n. 12 [Acessado 17 Julho 2021], pp. 4405-4415. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-812320182412.25892019>. Epub 25 Nov 2019. ISSN 1678-4561.

MENDES, Áquilas; MARQUES, Rosa Maria. O financiamento da Atenção Básica e da Estratégia Saúde da Família no Sistema Único de Saúde. Saúde em Debate. Rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 900-916, out-dez., 2014.

PINTO, Heider Aurélio. Análise do financiamento da Política Nacional de Atenção Básica de 1996 até 2017. Saúde em Rede, v.4, n.1, 2018.

The Lancet Global Health – Brazil’s Primary Health Care Financing: Case study. Adriano Massuda et al – Working paper 1. January 2022

MASSUDA, Adriano – Atenção primária em saúde: financiamento é prioridade global e urgência nacional. 05/04/2022. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-adriano-massuda/atencao-primaria-em-saude-financiamento-e-prioridade-global-e-urgencia-nacional-05042022

Publicado em: 12/09/2022
*Autor: Klitzke D. D., (2022) Quanto o Brasil Investe em Atenção Primária à Saúde?

Dirceu Ditmar Klitzke

Sanitarista. Mestre em Saúde Coletiva. Especialista em Saúde da Família.

Servidor público da carreira de desenvolvimento de políticas sociais no Ministério da Saúde, foi coordenador geral das áreas de gestão e financiamento da APS. Atualmente lotado na Superintendência do MS na Paraíba. Possui mestrado em saúde coletiva, sobre o tema apoio institucional na atenção básica (UnB), especialização em Gestão de Políticas de Alimentação e Nutrição (Fiocruz), especialização em Saúde da Família (UFPR) e graduado em Nutrição (UFPR)

Por

Dirceu Klitzke
Sanitarista

Compartilhe

Você tem uma sugestão de pauta, material, artigo de opinião ou eventos para divulgarmos?

Envie para: